terça-feira, 14 de julho de 2009

Ovo frito de gema mole

Todo mundo tem uma, ou algumas, lembranças mais fortes da infância, pelo menos eu acho que sim. A minha lembrança mais forte é com a minha mãe e minha vó materna, a vó Laura. Lembro das duas na cozinha de casa, minha vó fritando um bife, mas que se tratando da vó Laura era sempre maravilhoso, ninguém na família frita bifes como a vó Laura, e minha mãe junto dela falando mais ou menos assim “Ovo frito de gema mole ... pra comer com pão.”, enquanto rolava no fundo uma música, se não me engano da dupla Gian e Giovanni, que falava “Olha amor ... foram tantas por aí ....”, no Sabadão Sertanejo. Lembrei muito disso em dois finais de semana não muito distantes – lembrei ainda é um jeito carinhoso de falar, nem sei quando o Sabadão Sertanejo deixou de passar. Realmente fui buscar isso no fundo do sarcófago.

Na primeira lembrança estava jantando com a minha amada mãe, dentro de casa geralmente tratada pelo carinhoso apelido de “Mano Mãe”. Eram mais de 11 horas da noite e ela estava cozinhando. Quem conhece ela sabe que isso não é tão atípico assim, mas ela estava fazendo, ao mesmo tempo, bolo de limão, molho de tomate com pimentão e cebola, chocolate quente, sempre irrecusável, e fritando bisteca de porco e não, isso não me causou uma revolução intestinal depois.
Mesmo com tudo isso de comida ela perguntou “Quer que eu frite um ovinho pra você comer junto?”. A minha resposta foi só aquele “Hum Rum” de boca cheia, enquanto dava uma rabeada de olho na TV onde passava o Zorra Total - horrorível. Logo em seguida veio a frase da minha mãe “Ovo frito, sempre de gema mole” e só essa frase foi o suficiente pra me causar uma rápida escapada da realidade.

Não posso nem dizer que viajei num piscar de olhos porque sei que sonhei de olhos abertos, mas naquele instante eu me vi pequeno de novo. A casa cheia, com todos os Tios, Valter, Zézo, Totó, Olavo, Floriano, com os seus filhos e esposas. Eu estava na mesa, com os meus primos Caio e a Corá aprendendo a jogar baralho, enquanto o mundo girava muito lentamente, bem diferente das conversas familiares e dos comes e bebes, que pareciam sumir dos pratos magicamente, mas que magicamente apareciam de novo, pelas mãos das super-mães presentes.

O segundo momento foi quando vi o meu sobrinho, simplesmente paralisado, enquanto assistia o que é de longe o seu programa favorito, o Cocoricó. Ver ele em pé no sofá, olhando como se cada uma das cores e dos sons da TV fossem absorvidos pelos seus sentidos, ocupando todo o seu processamento interno, fez a minha irmã chamar a atenção dele – “Gui, sofá foi feito pra sentar!”. Esse momento me trouxe a mesma lembrança do ovo frito de gema mole do primeiro parágrafo, só que eu não tinha entendido porque, até um pouco antes de começar a escrever essa estória.

Muito mais do que a lembrança da infância, nós crescemos, enquanto as lembranças só tendem a encolher. Ainda bem que o cara lá de cima, que sabe bem o que faz, não deixa que os nossos sentimentos sumam. Podemos até não nos recordar de todos os momentos que tivéssemos com as pessoas importante da nossa vida, mas o sentimento construído com cada um desses momentos vai ficar guardado, nem que seja dentro da última gaveta do último armário dos sentimentos guardados. Até aí acho que não tem muita novidade pra ninguém.
O que eu não tinha pensado até agora é que essas lembranças também ficam nas outras pessoas e a foto do meu sobrinho, que fica na minha mesa do trabalho, me fez entender isso.

Me peguei pensando em como é bom passar um tempo com ele no chão, brincando de qualquer coisa que eu mesmo na maioria das vezes não sei o que é. Ver ele [vê-lo está errado na minha gramática!] formando os seus sentimentos, as suas impressões do mundo, aprendendo, enquanto eu fico tentando passar pra ele o que eu tenho de melhor, mesmo que as vezes seja só um sorrisinho seguido de uma mordida, de leve, é claro, no meio da “rabiga” dele. Esse é o meu jeito de dizer pra ele que me importo e amo ele, como os assopros da minha irmã nos meus machucados quando pequeno, que eram MUITO freqüentes, ou o ovo frito de gema mole da minha mãe sempre vão me dizer que somos, e sempre seremos, unidos, mesmo que muitas vezes afastados.

De novo sonhei de olhos abertos, só que agora eu fui pro futuro, talvez uns 20 anos pra frente. Onde eu vi o Gui, já uma grande pessoa, tanto de tamanho quanto de personalidade, comendo um pão com ovo frito, de gema mole, claro, fritado pela vó dele, porque “Ninguém faz um ovo frito de gema mole igual ao seu Vó!”, e eu ali, bem do lado de toda família, cheio de saudades de mim mesmo.

2 comentários:

Rafael disse...

realmente Fe, sua mãe cozinhando la pelas tantas da noite é normal msm e aquele bifinho com ovo frito por cima e depois o chocolate.. uhmmmm eh mt bom mesmo!!!!!!

abraços BG!

Leonardo Castro disse...

ótimo post..
ótimas reflexões (suas, e que causam também as nossas)..

um abraço!