terça-feira, 14 de outubro de 2008

Aniversário de Namoro no Hospital

Não me lembro exatamente da data, com certeza era um dia 21, talvez de Março de 2006, quando eu e a Yuri fizemos, 7 meses de namoro [faz tempo isso!] e ela passou mal. O interessante é o que causou e mal estar nela. Minha mãe nos ofereceu uma novidade, conserva de Marisco [não me perguntem, coisas de Dona Cida]. Cada um de nós comeu um, apenas um marisco, e algumas horas depois estamos no hospital com a Yuri parecendo o Will Smith naquele filme, “Hitch, O Conselheiro Amoroso”, quando ele come frutos-do-mar.

Chegamos no PS, demos entrada na papelada e chegamos a conclusão que o socorro pode até estar pronto, só não está disponível quando você chega lá ... que burocracia é essa que te atrapalha até na hora que você mais precisa de ajuda! Assim que conseguimos resolver todos os entraves burocráticos fomos atendidos por um médico que “recomendou” [como se tivéssemos muita escolha] que a Yuri tomasse um sorinho com antialérgico na veia. Descemos para a enfermaria rumo a tortura agulhenta e é aí que a estória começa de verdade.

A enfermaria estava quase cheia, com aquele ar que só os hospitais têm, meio insosso, tentando ser o mais neutro possível, o que acaba fazendo de lá um lugar único. Quando a Yuri se acomodou numa confortável poltrona, a enfermeira veio com aquele saquinho de soro. Saquinho é bondade, porque vem meio litro de sofrimento naquilo. A enfermeira, não sei porque cargas d’águas, talvez por sono [sim, ela estava com cara de sono], ela não conseguia achar a veia da Yuri, que realmente é muito fina.

Tentou num braço, no outro, de novo no primeiro braço, de novo no outro ... no fim a Yuri estava parecendo uma Tábua de Pirulitos, e nada de achar a veia. Até que pela enorme cara de insatisfação da Yuri [com razão] a enfermeira resolveu chamar outra enfermeira, a chefe, que ao mesmo tempo em que resolveu o problema nos deixou um pouquinho bravos. A enfermeira chefe simplesmente disse “Essa agulha é muita grossa, usa essa!”, foi dito e feito, logo de primeira à agulha pegou e o soro começou a fluir. Vale a pena ressaltar, a agulha usada na Yuri foi uma agulha para bebês, feita de silicone, finíssima.

Inclusive, começou a fluir é força de expressão, porque pelo tamanho da veia da Yuri e pela quantidade de soro que tinha ali, ficamos nada menos que uma hora e quarenta esperando, mas nesse meio tempo aconteceram coisas bem legais, tudo começando pela fome da Yuri.

Logo que ela falou que estava com fome eu me dispus, como namorado prestativo, a ir buscar algo para ela comer, a questão é, onde e o que eu poderia comprar às onze e meia da noite? Nem mais o Jô está funcionando nesse horário.

Sorte que existe o Extra 24 horas. Pelo horário que cheguei lá, não podia esperar que ainda vendesse aqueles sanduíches de metro, o que me deixou opções menos saudáveis ainda. Acabei pegando uns salgadinhos, umas bolachas, suco e fui pro caixa. Naquele bendito corredorzinho que leva até os caixas rápidos, onde o pessoal do mercado monta aquelas prateleiras-armadilha, cheio de coisas de você não precisa que você acaba comprando sem saber bem porque, tinha uma caixa de balas, em formato de abóbora. Muito chamativa e simpática .... sim, eu comprei, mas eu sabia porque estava comprando, queria fazer um agradinho plus pra minha formiga com alergia a Marisco recém descoberta. Paguei tudo e voltei.

A primeira coisa que olhei quando cheguei de volta na enfermaria foi o saco de soro da Yuri, que pra minha surpresa estava quase no mesmo nível de quando saí – e olha que eu devo ter demorado uns 25 minutos pra ir e voltar do mercado. Entreguei o pacote com a comida pra ela, dizendo que tinha uma pequena surpresa dentro. Ainda me lembro como os olhos dela brilharam quando viu a caixa de balas. O resultado da surpresa é que ela praticamente não comeu mais nada, só balas e mais balas. De vez em quando ela misturava a bala com salgadinho dentro da boca, fazendo uma maçaroca que com um forno na temperatura ideal com certeza resultaria em um belo tijolo baiano.

Enquanto ela se esbaldava com a guloseima, percebi que o pessoal das poltronas dos lados começou a olhar com grandes olhos na nossa direção. Alguns pareciam que estavam até salivando, salivando bastante. O que custava pra gente oferecer uma balinha pro pessoal Amigo de PS, o pessoal quando vai ao bar não faz Amigo de Copo?! Com a autorização da Yuri pra mexer nas suas balinhas, sagradas, sai oferecendo balinha pro pessoal do PS. Quase todos aceitaram, e alguns deles comeram como se essa fosse a última refeição deles em vida. Com uma vontade, com o perdão do termo, com um tesão, que foi impressionante. Achei estranho essa vontade enorme, mas fazer o que, num hospital tem gente doente mesmo.

Duas das pessoas que aceitaram as balinhas foi um casalzinho que estava do nosso lado. Muito simpáticos, logo começamos a conversar. Ela tinha passado mal, um pouco antes de ir pra balada, e ele, que descobrimos que era só amigo, ou pelo menos disse isso, foi acompanhá-la. Em seguida descobrimos que eles também já estavam lá há quase duas horas e que tinham feito umas apostinha pra passar o tempo. Ela também estava tomando soro, meio litro, e eles tinham apostado se o soro acabava até a meia-noite. Se ela ganhasse, ele tinha que pagar a balada pra ela no próximo fim-de-semana, se ele ganhasse, caso o soro não acabasse até a meia-noite, ela tinha que limpar a casa dele. Detalhe, ele queria que ela limpasse ainda naquela noite! De verdade! Muito sem noção, nem parecia que ele estava vendo a cor da mulher. E o pior ele ganhou! O soro acabou já passava de meia-noite e dez.

Foi aí que eles chamaram a enfermeira, na esperança de ir embora. Quando ela chegou, pediu para a moça se encaminhar ao médico, dizendo que teria que dar para os outros pacientes uma pequena prioridade, porque eram diabéticos. Sim sim pessoas! Eu distribuí balinhas para os diabéticos do PS! Mas eu não tinha como adivinhar e eles não falaram nada, além de “Posso pegar duas?!”. Pensando bem, acho que eu também não falaria, sabe-se lá quanto tempo eles não comiam um docinho. Fiquei em dúvida se falava pra enfermeira que algum safado, sem-vergonha, pilantra, deu balinhas pro diabéticos e saiu correndo pelo corredor gritando “Biiiisssccccoooiiitttoooo!! Chocollaaaaattteeee!! Carameeeeelllllllooooooo!!”, só que com medo dela me questionar quanto a veracidade dessa informação, fiquei bem quietinho no meu canto e deixei os diabéticos felizes.

Enquanto a moça estava fora, o rapaz nos falou que estava feliz que ela já tinha tomado todo o soro, assim ainda daria tempo pra ele deixá-la em casa e ir pra balada. Sincronizadamente com o término da fala dele, ela apareceu pela porta da enfermaria, com um papel na mão, que posso dizer de forma resumida, significava mais meio litro de soro pra ela. A atitude do rapaz nessa hora foi inesquecível, de uma sapiência, de uma amizade, de uma sinceridade, impagáveis. Ele simplesmente falou “O dobro ou nada! Mas agora eu aposto que vai acabar bem rapidinho!”, o que causou um certo espanto em nós, que ele esclareceu rapidinho, dizendo “PORQUE EU VOU APERTAR ESSE SAQUINHO DE SORO ATÉ SAIR PELOS SEUS OLHOS! DUAS BOMBEADAS E VAMOS EMBORA DAQUI”! Ai ai, o que é amizade.

Pouco depois que a moça voltou pro soro, a Yuri finalmente terminou o dela. Chamamos a enfermeira e nos encaminhamos pro corredor, esperando pra ver o médico. Enquanto esperávamos no corredor com mais algumas pessoas, veio um enfermeiro empurrando um carrinho. Até hoje me lembro dele, branquelo, careca, gordo .... praticamente o Pingüim do Batman, só faltava a bengala.

No meio do corredor, ele olhou pra um dos pacientes, parou o carrinho e praticamente gritou “Franciscão! Que bom ver o você aqui!”. Eu simplesmente não conseguia acreditar no que meus sentidos me mostravam. O enfermeiro ainda continuou, agora abraçando e beijando o “Franciscão”. “Porra cara! Tava com saudades de você! Fiquei preocupado quando soube que você saiu do hospital. Vê se aparece, caramba! Eu fico com saudades! Não some heim!” ... Juro! A Yuri e eu ficamos boquiabertos, totalmente assustados. Eu ainda não conseguia acreditar! Imaginei que era algum tipo de pegadinha e fiquei procurando alguma câmera no corredor, mas estava bem escondida.

Quando passamos no médico ele nos liberou. Despedimos do casalzinho [até essa hora ela estava ganhando, eles tinham apostado de novo até a 1 hora] e quase uma hora da manhã do nosso sétimo aniversário de namoro [quem disse que aniversário precisa ser de ano em ano?!] estávamos voltando pra casa. Não foi nada do que planejamos, mas quando teremos a oportunidade de viver tudo isso de novo?! Na verdade eu sei quando. E aí minha Gata, quer um Marisco em conserva?